Ouço um burburinho enorme na rua e vou a rastejar até à janela para ver o que se passa. Com muito cuidado, puxo a cortina para o lado e reparo que a rua está cheia de gente parada, a olhar para a minha casa. Dezenas de carros da Polícia, estacionados e colocados na direcção da minha janela, onde os senhores fardados se protegem com as portas e apontam com armas na direcção da porta. Só podem ser bisnagas, o que têm na mão, e ser uma brincadeira de Carnaval. Talvez seja tudo a fingir e isto não passe de um sonho mau, e agora vou acordar algures numa praia do Hawai, a beber uma bebida exótica. Não resisti e fui novamente espreitar. Puxei com cuidado redobrado a cortina e não posso acreditar. Afinal, é mesmo verdade. As pessoas, os polícias, continuam ali à porta de casa, a única coisa diferente é o silêncio, que agora é absoluto. Será que devo abrir a janela e fazer um discurso eloquente, ou aguardar sentado no sofá, e assistir ao resto do episódio dos Animais Selvagens da Suazilândia, que está a dar no Canal 2. Sinceramente, não sei o que faça, e a impaciência está a tomar conta de mim. Desesperado, sem medo de nada, abro a porta e em voz alta grito, "o que fazem aqui, e o que querem de mim?". Se o silêncio já era absoluto, a seguir ao grito de revolta, por momentos parece que o tempo parou e assistíamos a uma cena de Hitchcock, onde alguém carregou na pausa e deixou o suspense do lado de fora do ecrã. Até que um polícia com um altifalante diz "Saía devagar, com as mãos no ar e um sorriso no rosto". Respondo que vou sair, mas que não consigo sorrir, pois o sentimento de felicidade não me inunda actualmente. E levam-me preso, pois a rua para onde fui morar, chama-se "Largo do Sorriso" e aqui todos os habitantes não podem utilizar cortinas na janela, ter a porta fechada e sair de casa com a cabeça em baixo, sem esboçar um sorriso. Fui levado então para um local, em que andava perdido, me sentia sujo e onde os porcos quando olhavam para mim, vomitavam. Que merda de sitio este, onde fui parar outra vez.
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