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A poente do actual edifício dos Paços do Concelho, onde hoje floresce um pequeno jardim e, entre as palmeiras, pronto a correr descalço para combater as calamidades, se ergue o Bombeiro, imortalizado em bronze, foi edificado, outrora, o primeiro quartel de bombeiros de Montijo. Quem olhar com atenção para a fachada principal da Câmara Municipal de Montijo divisará, no cunhal esquerdo, uma lápide com a seguinte inscrição: «HOMENAGEM DA COMPANHIA DRAMÁTICA JOSÉ CLÍMACO AO POVO DE ALDEGALEGA – 15-9-1924».
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A noite fatídica de 14 de Setembro de 1924 uniu indissociavelmente a C.ª Dramática de José Clímaco a Montijo. Na segunda década do século vinte, a Câmara Municipal de Aldegalega autorizou que fosse instalada uma barraca desmontável para animatógrafo e teatro, no espaço compreendido entre o edifício do Tribunal e o Cais das Faluas.
A barraca acabou por ser adquirida pela empresa de espectáculos Relógio & Ribeiro, constituída pelos aldeanos Avelino de Jesus Relógio e Frederico Guilherme da Costa, este proprietário, também, da Papelaria Frederico, na R. Direita.
A sala foi ampliada e remodelada, ficando com o comprimento sensivelmente igual ao edifício dos Paços do Concelho e passou a denominar-se “Grande Cinema Independente”.
Na noite de 14 de Setembro de 1924, a Companhia Dramática de José Clímaco apresentou uma opereta, que agradou vivamente o público, ficando agendada nova representação para o dia seguinte. Naquela noite, porém, a população de Aldegalega foi acordada pelo repicar incessante do sino da Igreja Matriz, que redobrava de alarme. Ardia com violência o edifício do “Grande Cinema Independente”.
«De toda a parte corre gente, meia dormida ainda, ouvem-se gritos aflitivos, há choros e labaredas altas e ofegantes, lambendo as madeiras, atiram para o espaço grandes faúlhas que o vento impele. No edifício do Tribunal e Cadeia os presos estão aflitos. No Cais das Faluas, as embarcações largam todas para longe, receando serem atingidas. Socorros nenhuns! O espectáculo é horroroso. Um pavoroso incêndio, um dos maiores – senão o maior – de todos a que temos assistido nesta vila. O edifício está todo destruído; a cabine por terra e em fogo; o piano irreconhecível; as bancadas reduzidas as cinzas; o palco, os bastidores, tudo, tudo está ardendo e sob os escombros em ignição as malas da Companhia.
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E ninguém se mexe, nem perante as lágrimas, nem perante o delíquo director do grupo, nem perante a forte comoção que lançou por terra inanimado, quase alucinado, o empresário cinematográfico Sr. Frederico Guilherme Ribeiro da Costa.» Assim testemunhou o incêndio o Dr. Paulino Gomes. A tragédia abalou Aldegalega, mas não colheu o espírito de solidariedade dos aldeanos, que se mobilizaram para ajudarem a companhia de teatro, que perdera todos os seus bens. A acção de Aldegalega foi reconhecida pela Companhia Dramática e pela Associação da Classe dos Trabalhadores de Teatro, que consignou «um voto de enternecido louvor agradecimento ao povo de Aldegalega».
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Em Setembro, a Companhia regressou a Aldegalega, para manifestar o seu perene agradecimento ao seu povo e afixou a lápide, no cunhal da fachada principal do edifício do Tribunal e Cadeia, actual Paços do Concelho.
O incêndio do Grande Cinema Independente alertou para a necessidade de se organizar uma corporação de bombeiros, que pudesse responder prontamente aos incêndios. A corporação foi instituída e o quartel dos bombeiros foi edificado, em 1926, no mesmo local onde se erguera o cinema.
Cerca de sessenta anos depois, o quartel foi demolido.
Por: Rui Aleixo